LINHA 6 – LARANJA DO METRÔ DE SÃO PAULO: QUESTÕES JURÍDICAS RELATIVAS À CONTINUIDADE DO PROJETO APÓS EVENTUAL DECRETAÇÃO DE CADUCIDADE quarta-feira, 14 de março de 2018
linkedin LinkedIn

SÃO PAULO, BRASIL.- *Por Carlos Magno de Abreu Neiva. 

 

Notícias dão conta de que o Governo do Estado de São Paulo pretende abrir processo para decretação de caducidade do Contrato de Concessão Patrocinada nº 015/2013, pelo qual foi firmada parceria público-privada para implantação e operação da Linha 6 – Laranja do metrô de São Paulo. 

O fundamento para isso seria a alegada inadimplência da Concessionária no cumprimento de suas obrigações. Sabe-se também que, por seu lado, a Concessionária Move São Paulo ajuizou ação de rescisão contratual, na qual requer que o Poder Judiciário declare extinto o contrato, mas por fundamento distinto daquele invocado pelo
poder concedente, já que, segundo a Concessionária, não teria sido ela a inadimplir obrigações, e sim o próprio Estado, o que teria inviabilizado a continuidade da relação contratual.

 

Apesar da divergência entre as partes quanto às razões do insucesso, sobre um ponto há perfeita concordância: a continuidade do Contrato de Concessão Patrocinada nº 015/2013 é inviável e o ajuste está, assim, com os dias contados.

A extinção do contrato frustra a expectativa inicial gerada com o sucesso da licitação no final de 2013. Previa-se, então, que a linha completa estaria operando no ano de 2020, ligando a região noroeste com o centro da capital de forma integrada com outras linhas de metrô e de trens urbanos, trazendo evidentes benefícios.

 

Assim, a preocupação da população que mais diretamente seria beneficiária da linha e, por que não dizer, de todos os cidadãos paulistanos, que também seriam beneficiados indiretamente, no mínimo com uma possível redução do tráfego de veículos, é uma só: quando o projeto poderá ser retomado?

Neste breve artigo avaliaremos a questão da possível retomada das obras do ponto de vista estritamente jurídico, lembrando que há estudos a serem feitos e providências técnicas e administrativas a serem tomadas, o que vai muito além da mera análise jurídica. Iniciaremos expondo o que é e quais as consequências da eventual decretação de caducidade, apontando possíveis desdobramentos decorrentes da existência de ação já ajuizada pela Concessionária requerendo a rescisão do contrato.

A caducidade é a forma mais drástica de extinção dos contratos de concessão, cabível somente quando a crise de sua execução chega a tal grau que não é mais possível encontrar soluções pelos mecanismos ordinários, que são a negociação e a aplicação de penalidades. O Contrato de Concessão Patrocinada nº 015/2013 contém extensa disciplina desses dois mecanismos. Duas cláusulas inteiras, a 53ª e a 54ª, tratam das formas de solução de controvérsias, a primeira por meio de instauração de uma Comissão com um representante de cada uma das partes e um terceiro membro escolhido de comum acordo, e a segunda por processo de arbitragem. Em ambos os casos há procedimentos que garantem que o posicionamento de cada parte seja considerado e que haja respeito à decisão final.

A cláusula 34ª, por sua vez, regula as penalidades que podem ser aplicadas à Concessionária, classificadas em diferentes graus de gravidade e cujas hipóteses abarcam tanto a fase de construção quanto a de operação. Sua função é preventiva – a Concessionária tenderia, em tese, a evitar o cometimento de infrações para não ser penalizada – e repressiva. Naturalmente, do ponto de vista de qualquer ente público que figure como poder concedente, é sempre melhor continuar um contrato já assinado ao invés de realizar nova licitação, antes da qual terá que avaliar cuidadosamente o que e quanto foi executado, valorar o remanescente e fazer a modelagem do novo certame. Por isso, somente se instaura um processo de caducidade quando os mecanismos de solução de controvérsias e o sistema de aplicação de penalidades não tenham sido eficazes para solucionar os problemas surgidos de modo a garantir a continuidade do contrato. 

No caso concreto, a crise na execução do contrato foi a mais radical possível, com paralisação das obras e falta de perspectiva de retomá-las em prazo razoável, valendo lembrar que já são mais de dezoito meses de paralisação, durante os quais tanto a Concessionária quanto o poder concedente buscaram solução que evitasse a abertura do processo de caducidade: a primeira, procurando comprador para o empreendimento, o segundo, abstendo-se de instaurar o processo durante certo período.

Assumindo então que o processo de caducidade será aberto, quais são, do ponto de vista jurídico, as possibilidades e os entraves para continuidade do projeto?
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que a caducidade não pode ser decretada de imediato, pois deve ser precedida de processo administrativo específico para esse fim, conforme preceituam o § 2º do art. 38 da Lei de Concessões (Lei Federal nº 8.987/1995) e a Cláusula Quadragésima Quinta, item 45.1, do Contrato de Concessão. O objetivo do processo é apurar se realmente ocorreu a inadimplência imputada à Concessionária. Ao final desse processo é que, comprovada a inadimplência, a caducidade poderá ser decretada por ato do Governador do Estado.

Como todo processo administrativo ou judicial, o processo de caducidade deve ser feito de modo a que se respeite o devido processo legal, isto é, há que se garantir à Concessionária oportunidade de oferecer suas razões e evidências, e seus argumentos precisam ser enfrentados pelo Estado na decisão final. Se a decisão for pela decretação da caducidade, esta é feita diretamente por Decreto do Poder Executivo, sem necessidade de instauração de processo judicial. 

 

Como fica o desenvolvimento do processo de caducidade, tendo em vista que a Concessionária propôs, perante o Poder Judiciário, que o contrato seja rescindido por outro fundamento? Em princípio, seu desenvolvimento não é afetado, podendo prosseguir normalmente, a não ser que a Concessionária obtenha, na ação já proposta ou em nova medida, decisão que determine sua suspensão. Caso nenhuma decisão desse tipo seja obtida, ou, sendo, o Estado consiga revertê-la, a caducidade poderá ser decretada. 

Segundo o Contrato de Concessão Patrocinada nº 015/2013, a decretação da caducidade traz, entre outras, as seguintes consequências: (i) A “imissão imediata, pelo Poder Concedente, da posse de todos os bens” (item 45.5 do Contrato); (ii) A assunção, pelo Estado, da “execução do objeto do Contrato, no local e no estado em que se encontrar” (item 45.7.1 do Contrato); (iii) A ocupação e utilização dos “locais, instalações, equipamentos materiais e recursos humanos empregados na execução do serviço, necessários a sua continuidade” (item 45.7.2 do Contrato); (iv) A possibilidade de promover “nova licitação do serviço concedido” (item 45.8 do Contrato).

Aplicam-se a essas consequências o mesmo raciocínio exposto acima: não havendo decisão que impeça sua ocorrência, tais regras são eficazes imediatamente após a decretação da caducidade. Em outras palavras, publicado o decreto que declara a caducidade, o projeto pode ser retomado imediatamente.

Vale notar, por fim, que decisões acerca de questões patrimoniais, em princípio, ocorrerão após a decretação e a pendência de solução não retira a eficácia das consequências do contrato acima elencadas. Isso vale, por exemplo, para a demanda já existente da Concessionária acerca de reequilíbrio econômico-financeiro ou para eventuais discussões relativas a equipamentos e outros bens que a Concessionária alegue serem de sua  propriedade e que não se enquadrem no conceito de bens reversíveis. 

Em suma, se a caducidade vier efetivamente a ser decretada –  lembre-se que o processo administrativo a respeito sequer teve início – e se não houver decisão que suste seus efeitos, o projeto da Linha 6 poderá ser retomado imediatamente, realizando o Estado os estudos e tomando as demais providências para realização de nova licitação, seja apenas para a obra, seja no mesmo modelo do Contrato nº 015/2013.

 

(*) Carlos Magno de Abreu Neiva é advogado, sócio de Neiva & Franciulli Advogados. Foi membro da Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões – CMCP da Secretaria dos Transportes Metropolitanos, responsável pelo acompanhamento dos contratos de parceria público-privada no setor metroviário.